Como trabalhar com os temas transversais?
A transversalidade,
bem como a transdisciplinaridade, é um princípio teórico do qual decorrem
várias conseqüências práticas, tanto nas metodologias de ensino quanto na
proposta curricular e pedagógica. A transversalidade aparece hoje como um
princípio inovador nos sistemas de ensino de vários países. Contudo, a idéia
não é tão nova. Ela remonta aos ideais pedagógicos do início do século, quando
se falava em ensino global
e do qual trataram famosos educadores, entre eles, os franceses Ovídio Decroly
(1871-1932) e Celestin Freinet (1896-1966), os norte-americanos John Dewey
(1852-1952) e William Kilpatrick (1871-1965) e os soviéticos Pier Blonsky
(1884-1941) e Nadja Krupskaia (1869-1939).
O Método Decroly dos "centros de
interesse" partia da idéia da globalização do ensino para romper com a
rigidez dos programas escolares. Para ele, existem 6 centros de interesse que poderiam substituir os planos de estudo
construídos com base em disciplinas: a) a criança e a família; b) a criança e a
escola; c) a criança e o mundo animal; d) a criança e o mundo vegetal; e) a
criança e o mundo geográfico; f) a criança e o universo. Os centros de
interesse são uma espécie de idéias-força em torno das quais convergem as
necessidades fisiológicas, psicológicas e sociais do aluno. Freinet e Paulo
Freire, nesse sentido, partindo da leitura do mundo, do respeito à cultura
primeira do aluno, buscaram desenvolver o aprendizado através da livre
discussão dos temas geradores do universo vocabular do aluno.
O Método dos Projetos de
Kilpatrick parte de problemas reais, do dia-a-dia do aluno. Todas as atividades
escolares realizam-se através de projetos, sem necessidade de uma organização
especial. Originalmente ele chamou de projeto à "tarefa de casa"
("home project") de caráter manual que a criança executava fora da
escola. O projeto como método didático era uma atividade intencionada que
consistia em os próprios alunos fazerem algo num ambiente natural, por exemplo,
construindo uma casinha poderiam aprender geometria, desenho, cálculo, história
natural etc. Kilpatrick classificou os projetos em quatro grupos: a) de
produção, no qual se produzia algo; b) de consumo, no qual se aprendia a
utilizar algo já produzido; c) para resolver um problema e d) para aperfeiçoar
uma técnica. Quatro características concorriam para um bom projeto didático: a)
uma atividade motivada por meio de uma conseqüente intenção; b) um plano de
trabalho, de preferência manual; c) a que implica uma diversidade globalizada
de ensino; d) num ambiente natural.
O Método dos Complexos de
Blonsky, Pinkevich e Kupskaia busca levar à prática coletivamente o princípio
da escola produtiva. Concentra todo o aprendizado em torno de três grandes
grupos (complexos) de fenômenos: a Natureza, o Trabalho Produtivo e as Relações
Sociais. Um grupo de educadores alemães (Braune, Krueger, Rauch) difundiu na
Alemanha e Áustria o princípio da escola em comunidade de vida, isto é, a
escola considerada como uma comunidade de vida e de trabalho, substituindo os
planos e programas de estudo por temas globalizados de trabalho docente.
O princípio da interdisciplinaridade permitiu um
grande avanço na idéia de integração curricular. Mas ainda a idéia central era
trabalhar com disciplinas. Na interdisciplinaridade os interesses próprios de
cada disciplina são preservados. O princípio da transversalidade e de
transdisciplinaridade busca superar o conceito de disciplina. Aqui, busca-se
uma intercomunicação entre as disciplinas, tratando efetivamente de um
tema/objetivo comum (transversal). Assim, não tem sentido trabalhar os temas
transversais através de uma nova disciplina, mas através de projetos que integrem as diversas disciplinas.
Uma primeira experiência, ainda numa visão interdisciplinar, foi realizada
durante a gestão de Paulo Freire na Secretaria de Educação de São Paulo e está
narrada no livro Ousadia no diálogo:
interdisciplinaridade na escola pública, organizada pela professora
Nídia Nacib Pontuschka.
O projeto foi implantado com a ajuda de professores da
Universidade de São Paulo. Buscou-se capacitar o professor para trabalhar nessa
nova metodologia de ensino que consiste basicamente no trabalho coletivo e no
princípio de que as várias ciências devem contribuir para o estudo de
determinados temas que orientam todo o trabalho escolar. Foi respeitada a
especificidade de cada área do conhecimento, mas, para superar a fragmentação
dos saberes procurou-se estabelecer e compreender a relação entre uma
"totalização em construção" a ser perseguida e novas relações de
colaboração integrada de diferentes especialistas que trazem a sua contribuição
para a análise de determinado tema gerador sugerido pelo estudo da realidade
que antecede a construção curricular.
Como trabalhar com projetos?
Projeto vem de
projetar, projetar-se, atirar-se para a frente. Na prática, elaborar um projeto
é o mesmo que elaborar um plano para realizar determinada idéia. Portanto, um
projeto supõe a realização de algo que não existe, um futuro possível. Tem a
ver com a realidade em curso e com a utopia possível, realizável, concreta.
Dificilmente os integrantes de uma escola escolherão trabalhar num projeto da
escola se ele não foi a extensão de seu próprio projeto de vida. Trabalhar com
projetos na escola exige um envolvimento muito grande de todos os parceiros e
supõe algo mais do que apenas assistir ou ministrar aulas.
Além do conteúdo propriamente dito de cada projeto,
conta muito o processo de elaboração,
execução e avaliação de cada projeto. O processo também produz aprendizagens
novas. "A própria organização das atividades didáticas deve ser encarada a
partir da perspectiva do trabalho com projetos. De fato, respostas a perguntas
tão freqüentemente formuladas pelos alunos, em diferentes níveis, como
"Para que estudar Matemática? E Português? E História? E Química?"
não podem mais ter como referência o aumento do conhecimento ou da cultura, ou
ainda, mais pragmaticamente, a aprovação nos exames. A justificativa dos
conteúdos disciplinares a serem estudados deve fundar-se em elementos mais
significativos para os estudantes, e nada é mais adequado para isso do que a
referência aos projetos de vida de cada um deles, integrados simbioticamente em
sua realização aos projetos pedagógicos das unidades escolares"
(MACHADO,1997:75).
Como afirmou
recentemente no IPF o professor da UNICAMP, Eduardo Chaves, o tema transversal
fundante é a Ética. Não podemos apresentar esse tema como um vendedor de roupas
que diz: tenho aqui camisas, calças, blusas e
também roupas. A diversidade cultural, o meio ambiente, a sexualidade, o
consumo etc são temas atravessados pela Ética. Ela não é um tema a mais. Ela é
elemento constitutivo de todos os temas.
Como trabalhar com esse temas?
Apresentamos acima
algumas alternativas. Estudos mais recentes estão apontando o método dos projetos como uma alternativa
viável. Entre esses estudos destacamos o de Fernando Hernández (1998) que trata
especificamente da "organização do currículo por projetos de
trabalho". A proposta do autor está vinculada à perspectiva do
conhecimento globalizado e relacional. "Essa modalidade de articulação dos
conhecimentos escolares é uma forma de organizar a atividade de ensino e
aprendizagem, que implica considerar que tais conhecimentos não se ordenam para
sua compreensão de uma forma rígida, nem em função de algumas referências
disciplinares preestabelecidas ou de uma homogeneização dos alunos.
A função do
projeto é favorecer a criação de estratégias de organização dos conhecimentos
escolares em relação a:
1) o tratamento da informação, e
2) a relação entre os
diferentes conteúdos em torno de problemas ou hipóteses que facilitem aos
alunos a construção de seus conhecimentos, a transformação da informação
procedente dos diferentes saberes disciplinares em conhecimentos próprios (...)
Globalização e significatividade são, pois, dois aspectos essenciais que se
plasmam nos Projetos. É necessário destacar o fato de que as diferentes fases e
atividades que se devam desenvolver num Projeto ajudam os alunos a serem
conscientes de seu processo de aprendizagem e exige do professorado responder
aos desafios que estabelece uma estruturação muito mais aberta e flexível dos
conteúdos escolares". (HERNÁNDEZ, 1998:61-64).
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