O conceito de
interdisciplinaridade
A
interdisciplinaridade, como questão gnosiológica, surgiu no final do século
passado, pela necessidade de dar uma resposta à fragmentação causada por uma
epistemologia de cunho positivista. As ciências haviam-se dividido em muitas
disciplinas e a interdisciplinaridade restabelecia, pelo menos, um diálogo
entre elas, embora não resgatasse ainda a unidade e a totalidade do saber.
Desde então, o
conceito de interdisciplinaridade vem se desenvolvendo também nas ciências da
educação. Elas aparecem com clareza em 1912 com a fundação do Instituto
Jean-Jacques Rousseau, em Genebra, por Edward Claparède, mestre de Piaget. Toda
uma discussão foi travada sobre a relação entre as ciências mães e as ciências
aplicadas à educação: por exemplo, a sociologia (da educação), a psicologia (da
educação) etc. e noções correlatas foram surgindo, como interdisciplinaridade,
pluridisciplinaridade e transdisciplinaridade.
A
interdisciplinaridade‚ entendida, nas ciências da educação, como a relação
interna entre a disciplina "mãe" e a disciplina "aplicada".
O termo interdisciplinaridade, na educação, já não oferece problema, pois, ao
tratar do mesmo objeto de ciência, uma ciência da educação
"complementa" outra. Diga-se o mesmo quanto à pluridisciplinaridade.
É a natureza do próprio fato/ato educativo, isto é, a sua complexidade, que
exige uma explicação e uma compreensão pluridisciplinar. A interdisciplinaridade
é uma forma de pensar. Piaget sustentava que a interdisciplinaridade seria uma
forma de se chegar à transdisciplinaridade,
etapa que não ficaria na interação e reciprocidade entre as ciências, mas
alcançaria um estágio onde não haveria mais fronteiras entre as disciplinas.
Após a 2ª Guerra
Mundial, a interdisciplinaridade aparece como preocupação humanista além da
preocupação com as ciências. Desde então, parece que todas as correntes de pensamento se ocuparam com a
questão da interdisciplinaridade:
1º - a teologia
fenomenológica encontrou nesse conceito uma chave para o diálogo entre igreja e
mundo;
2º - o
existencialismo, buscando dar às ciências uma "cara humana";
3º - o
neo-positivismo que buscava no interior do positivismo a solução para o
problema da unidade das ciências;
4º - o marxismo que
buscava uma via diferente para a restauração da unidade entre todo e parte.
O projeto de
interdisciplinaridade nas ciências passou de uma fase filosófica (humanista) de
definição e explicitação terminológica, na década de 70, para uma segunda fase
(mais científica) de discussão do seu lugar nas ciências humanas e na educação,
na década de 80. Atualmente, no plano teórico, busca-se fundar a
interdisciplinaridade na ética e na antropologia, ao mesmo tempo que, no plano
prático, surgem projetos que reivindicam uma visão interdisciplinar.
A
interdisciplinaridade visa a garantir a construção de um conhecimento
globalizante, rompendo com as fronteiras das disciplinas. Para isso, integrar
conteúdos não seria suficiente. Seria preciso uma atitude e postura
interdisciplinar. Atitude de busca, envolvimento, compromisso, reciprocidade
diante do conhecimento.
A
interdisciplinaridade se desenvolveu em diversos campos e, de certo modo,
contraditoriamente, até ela se especializou, caindo na armadilha das ciências
que ela queria evitar. Na educação ela teve um desenvolvimento particular.
Nos
projetos educacionais a interdisciplinaridade se baseia em alguns princípios, entre eles:
1o - Na noção de tempo: o aluno não tem
tempo certo para aprender. Não existe data marcada para aprender. Ele aprende a
toda hora e não apenas na sala de aula.
2º - Na crença de que
é o indivíduo que aprende. Então, é preciso ensinar a aprender, a estudar etc.
ao indivíduo e não a um coletivo amorfo. Portanto, uma relação direta e pessoal
com a aquisição do saber.
3º - Embora
apreendido individualmente, o conhecimento é uma totalidade. O todo é formado
pelas partes, mas não é apenas a soma das partes. É maior que as partes.
4º - A criança, o
jovem e o adulto aprendem quando têm um projeto de vida e o conteúdo do ensino
é significativo para eles no interior desse projeto. Aprendemos quando nos
envolvemos com emoção e razão no processo de reprodução e criação do
conhecimento. A biografia do aluno é, portanto, a base do seu projeto de vida e
de aquisição do conhecimento e de atitudes novas.
A metodologia do trabalho interdisciplinar
implica em:
1º - integração de
conteúdos;
2º - passar de uma
concepção fragmentária para uma concepção unitária do conhecimento;
3º - superar a
dicotomia entre ensino e pesquisa, considerando o estudo e a pesquisa, a partir
da contribuição das diversas ciências;
4º -
ensino-aprendizagem centrado numa visão de que aprendemos ao longo de toda a
vida.
O conceito chegou ao
final desse século com a mesma conotação positiva do início do século, isto é,
como forma (método) de buscar, nas ciências, um conhecimento integral e
totalizante do mundo frente à fragmentação do saber, e na educação, como forma
cooperativa de trabalho para substituir procedimentos individualistas.
A ação pedagógica
através da interdisciplinaridade aponta para a construção de uma escola
participativa e decisiva na formação do sujeito social. O seu objetivo
tornou-se a experimentação da vivência de uma realidade global, que se insere
nas experiências cotidianas do aluno, do professor e do povo e que, na teoria
positivista era compartimentada e fragmentada. Articular saber, conhecimento,
vivência, escola comunidade, meio-ambiente etc. tornou-se, nos últimos anos, o
objetivo da interdisciplinaridade que se traduz, na prática, por um trabalho
coletivo e solidário na organização da escola. Um projeto interdisciplinar de
educação deverá ser marcado por uma visão geral da educação, num sentido
progressista e libertador.
A
interdisciplinaridade deve ser entendida como conceito correlato ao de
autonomia intelectual e moral. Nesse sentido a interdisciplinaridade serve-se
mais do construtivismo do que serve a ele. O construtivismo é uma teoria da
aprendizagem que entende o conhecimento como fruto da interação entre o sujeito
e o meio. Nessa teoria o papel do sujeito é primordial na construção do
conhecimento. Portanto, o construtivismo tem tudo a ver com a
interdisciplinaridade.
A relação entre
autonomia intelectual e interdisciplinaridade é imediata. Na teoria do
conhecimento de Piaget o sujeito não é alguém que espera que o conhecimento
seja transmitido a ele por um ato de benevolência. É o sujeito que aprende
através de suas próprias ações sobre os objetos do mundo. É ele, enquanto
sujeito autônomo, que constrói suas próprias categorias de pensamento ao mesmo
tempo que organiza seu mundo, como costumava nos dizer, em Genebra, nosso
mestre Piaget.